O lobo-guará (cientificamente conhecido como Chrysocyon brachyurus) é um grande canídeo da América do Sul. O lobo-guará é encontrado na Argentina, Brasil, Bolívia, Peru, Paraguai e está quase extinto no Uruguai. As suas marcas assemelham-se às das raposas, mas não é nem uma raposa nem um lobo. É a única espécie do género Chrysocyon (que significa“cão dourado“).
Características do lobo-guará
É o maior canino da América do Sul, pesando 20-30 kg (44-66 lb) e em pé até 90 cm (35 in) ao garrote. As suas pernas longas e esguias e o seu denso casaco avermelhado dão-lhe uma aparência inconfundível.
O lobo-guará é um animal crepuscular, omnívoro, adaptado aos ambientes abertos da savana sul-americana, com um papel importante na dispersão de sementes de frutos, especialmente a maçã lobo (Solanum lycocarpum). O lobo-guará é um animal solitário. Comunica principalmente por meio de marcas de cheiro, mas também emite uma forte chamada conhecida como “rugir-barco”.
Este mamífero vive em habitats abertos e semi-abertos, especialmente em prados com arbustos e árvores dispersos, no Cerrado do sul, centro-oeste e sudeste do Brasil; Paraguai; norte da Argentina; e Bolívia a leste e norte dos Andes, e extremo sudeste do Peru (apenas Pampas del Heath).
A União Internacional para a Conservação da Natureza classifica-a como Quase Ameaçada, enquanto que o Instituto Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis a considera uma espécie Vulnerável. Em 2011, uma fêmea lobo-guará, atropelada por um camião, foi submetida a tratamento com células estaminais no Zoo de Brasília, o primeiro caso registado de células estaminais a serem utilizadas para curar lesões num animal selvagem.
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Hábitos e comportamento
O lobo-guará é um animal crepuscular, mas o seu padrão de actividade está mais relacionado com a humidade relativa e a temperatura, semelhante ao observado com o cão do mato (Speothos venaticus).
O pico de actividade ocorre entre as 8 e as 10 da manhã e entre as 20 e as 22 horas. Em dias frios ou nublados, podem estar activos todo o dia.
É provável que a espécie utilize campos abertos para forragem e áreas mais fechadas, tais como florestas ripícolas, para repouso, especialmente em dias mais quentes.
Ao contrário da maioria dos grandes canídeos (como o lobo cinzento, cão de caça africano ou dhole), o lobo-guará é um animal solitário e não forma matilhas.
Caça sozinho, geralmente entre o anoitecer e a meia-noite, virando as suas grandes orelhas para escutar os animais de rapina na relva. Atinge o chão com uma perna dianteira para expelir a presa e despeja-a para a apanhar. Mata a presa mordendo-a no pescoço ou nas costas, e sacudindo-a violentamente, se necessário.
Os pares monogâmicos podem defender um território comum de cerca de 30 km2 (12 milhas quadradas), embora fora do acasalamento, os indivíduos só raramente se possam encontrar. O território é atravessado por caminhos que eles criam quando patrulham à noite. Vários adultos podem reunir-se na presença de uma fonte alimentar abundante, por exemplo, uma área de pastagem desobstruída pelo fogo que expõe pequenas presas de vertebrados enquanto forrageiam.
Tanto os lobos machos como as fêmeas usam a sua urina para a comunicação,[ por exemplo, para marcar os seus caminhos de caça ou os locais onde enterraram as suas presas. A urina tem um odor muito característico, que alguns comparam com o lúpulo ou cannabis. É muito provável que a substância responsável seja uma pirazina, que também se encontra em ambas as plantas. No Zoológico de Roterdão, este cheiro levou a polícia a procurar fumadores de canábis.
O habitat preferido do lobo-guará inclui prados, prados de mato e florestas.
O lobo-guará envolve-se em relações simbióticas. Contribui para a propagação e disseminação das plantas de que se alimenta, através da excreção.
Os lobos-guará muitas vezes defecam nos ninhos de formigas cortadoras de folhas. As formigas utilizam o esterco para fertilizar os seus jardins de fungos, mas eliminam as sementes contidas no esterco em montes de lixo mesmo à saída dos seus ninhos. Este processo aumenta grandemente a taxa de germinação das sementes.
Sofrem de carraças, principalmente do género Amblyomma, e moscas como Cochliomyia hominivorax, geralmente nas suas orelhas. Curiosamente, o lobo-guará raramente é parasitido por pulgas. A partilha de território com cães domésticos dá origem a uma série de doenças, incluindo o vírus da raiva, o parvovírus, o vírus distemper, o adenovírus canino, o protozoário Toxoplasma gondii, a bactéria Leptospira interrogans e o nemátodo Dirofilaria immitis.
É particularmente susceptível à infecção com vermes renais gigantes. A ingestão da maçã lobo poderia impedir os lobos-guará de contrair este nemátodo, mas esta hipótese tem sido questionada por vários autores.
Os predadores são principalmente gatos grandes, como o puma (Puma concolor) e a onça-pintada (Panthera onca), mas a presa mais frequente é a onça-pintada
De que é que o lobo-guará se alimenta?
O lobo-guará é omnívoro. É especializada na predação de pequenos e médios animais, incluindo pequenos mamíferos (geralmente roedores e coelhos), aves e mesmo peixes, mas uma grande proporção da sua dieta (mais de 50% de acordo com alguns estudos) é matéria vegetal, incluindo cana-de-açúcar, tubérculos e fruta.
Foram registados 301 alimentos na dieta do lobo-guará, incluindo 116 plantas e 178 espécies animais.
Lobos tripulados caçam perseguindo presas, cavando buracos e saltando para apanhar aves em voo. Cerca de 21% das caçadas são bem sucedidas. Também foram observadas alimentando-se de carcaças de animais mortos na estrada. Os armadillos também são normalmente comidos.
A maçã lobo (Solanum lycocarpum), um fruto semelhante a um tomate, é o alimento mais comum do lobo-guará. Com algumas excepções, estes frutos constituem 40-90% da dieta do lobo-guará. A maçã lobo é activamente procurada pelo lobo-guará, e é consumida durante todo o ano, ao contrário de outros frutos que só podem ser consumidos em abundância durante a estação das chuvas. Pode consumir vários frutos ao mesmo tempo e dispersar as sementes intactas ao defecar, tornando-a um excelente dispersor da planta da maçã lobo.
Apesar do seu habitat preferido, o lobo-guará é ecologicamente flexível e pode sobreviver em habitats perturbados, desde áreas queimadas a locais com forte influência humana. As áreas queimadas têm alguns pequenos mamíferos, tais como o rato bolo de cauda cabeluda (Necromys lasiurus) e o rato vespino (Calomys spp.) que podem caçar e sobreviver.
Historicamente, os lobos criados em cativeiro eram alimentados com dietas ricas em carne, mas isto levou-os a desenvolver pedras na bexiga. Hoje em dia, as dietas zoo incluem frutas e vegetais, bem como carne e uma dieta extrudida especializada formulada para que os lobos-guarás sejam pobres em compostos que causam a pedra (por exemplo, cistina).
Lobos-guarás e humanos
Os lobos-guarás são geralmente tímidos e fogem quando alarmados, representando uma pequena ameaça directa para os humanos. Acredita-se popularmente que o lobo-guará tem o potencial de ser um ladrão de galinhas. Costumava ser considerada uma ameaça semelhante ao gado bovino e ovino, embora agora se saiba que isto não é verdade.
Historicamente, em algumas partes do Brasil, estes animais eram caçados por partes do seu corpo, especialmente pelos seus olhos, que se acreditava serem amuletos de boa sorte. Desde a sua classificação como uma espécie vulnerável pelo governo brasileiro, têm recebido maior consideração e protecção.
Estão ameaçados pela perda de habitat e pela morte na estrada. Os cães selvagens e domésticos transmitem-lhes doenças e são conhecidos por as atacar.
A espécie ocorre em várias áreas protegidas, tais como os parques nacionais de Caraça e Emas no Brasil. O lobo-guará está bem representado em cativeiro e foi criado com sucesso em muitos zoológicos, especialmente na Argentina, América do Norte (ao abrigo de um Plano de Sobrevivência de Espécies) e Europa (ao abrigo de um Programa Europeu de Espécies Ameaçadas de Extinção). Em 2012, havia um total de 3.288 lobos-guarás em mais de 300 instituições em todo o mundo.
O Parque Zoológico Nacional Smithsonian tem vindo a trabalhar para proteger os lobos-guará há quase 30 anos, e coordena o Plano de Sobrevivência das Espécies de Lobos-guará norte-americanos, que inclui a criação de lobos-guará, estudando-os na natureza, protegendo o seu habitat e educando sobre eles.
As atitudes e opiniões humanas sobre lobos-guarás variam de população para população, desde o medo e a tolerância até à aversão.
Em algumas regiões do Brasil, acredita-se que partes do corpo do animal ajudam a curar bronquite, doenças renais e até mordidas de cobra. Acredita-se também que traz boa sorte. Estas partes podem ser dentes, coração, ouvidos e até fezes secas.
Na Bolívia, acredita-se que montar numa sela feita de couro de crina de lobo protege da má sorte. Apesar destas superstições, não há utilização em larga escala de peças de lobo.
Nas sociedades urbanas do Brasil, as pessoas tendem a ser solidárias com o lobo-guará, pois não vêem nele qualquer valor como um animal de caça ou uma praga. Tendem a considerar a sua preservação importante e, embora estas sociedades a associem à força e à ferocidade, não a consideram um animal perigoso.
Embora seja popular em alguns lugares e comum em muitos zoológicos, pode passar despercebido. Estudos em jardins zoológicos no Brasil mostraram que até 30% dos inquiridos não conheciam ou não conseguiam reconhecer um lobo-guará.
Os Guarani consideravam-no um animal comum, e os primeiros nomes utilizados pelos europeus, como o do missionário jesuíta espanhol José de Anchieta, eram os mesmos que os utilizados pelos nativos (yaguaraçú).
O naturalista espanhol Félix de Azara também utilizou o nome Guarani para o descrever e foi um dos primeiros a descrever a biologia da espécie e a considerá-la uma parte importante da fauna paraguaia.
Grande parte da visão negativa do lobo-guará como predador de aves de capoeira vem do etnocentrismo europeu, onde os camponeses costumavam ter problemas com lobos e raposas.
O lobo-guará raramente causa antipatia nas populações humanas onde vive, razão pela qual tem sido utilizado como uma espécie emblemática para a preservação do cerrado brasileiro. Está representado na nota de 200 reais, lançada em Setembro de 2020. Foi também representada na moeda dos 100 cruzeiros, que circulou no Brasil entre 1993 e 1994.